Ligação e Interação Iônica - sinônimos?


Quando o comportamento de espécies químicas em solução é discutido, em particular para íons, o modelo em que uma "multidão enfurecida" de moléculas de água (por sua quantidade e agitação constante devido à agitação térmica - ou movimento browniano) se chocam contra uma parede de  íons de carga opostas e eventualmente um íon é retirado dessa estrutura, formando um íon solvatado em solução, uma questão semântica tem sido  recorrente:

"Os íons ligados na estrutura cristalina são interações intermoleculares ou ligações iônicas?"


Quando se tem um dilema, uma maneira de resolvê-lo é buscar as definições de cada parte do dilema. Para isso, muitas vezes é necessário encontrar o lastro histórico dessas definições, explícitas ou não.


Assim, historicamente, quando a ideia de íon ficou melhor definida (devido, principalmente à Teoria Eletrolítica de Arrhenius) e a descoberta do elétron, são propostas duas teorias para explicar a formação dos compostos, com as limitações da época. De um lado, Lewis, com a regra do octeto baseada no compartilhamente de pares de elétrons (que se mostrou muito adequada para explicar compostos covalente ou mesmo parcialmente covalentes) e de outro, Kossel, com a transferência de elétrons entre os compostos.
Assim como Lewis, Kossel admite a necessidade de grupos de 2 ou 8 elétrons, (em parte devido às relações apresentadas nas propriedades periódicas e na tabela periódica) e assim, considera a formação de ligações iônicas entre DOIS ÍONS, a partir dos elementos neutros.
        A ideia de explicar o comportamento de dois íons (cátion e ânion) é coerente com o pensamento da época  em que os compostos químicos eram vistos com compostos isolados (como é verdade para a sacarose, ou o etanol), e não como unidades de repetição em um cristal (como os íons estão dispostos, na verdade).
Para Kossel, a "ligação" iônica ocorreria devido à transferência de elétron de um ELEMENTO (com excesso de elétrons em relação ao gás nobre mais próximo - por exemplo, o sódio (Na) em relação ao gas nobre neônio (Ne) e  para o segundo elemento (com deficiência de elétrons em relação ao gás nobre mais próximo - o cloro, Cl, em relação ao mesmo gás nobre).
Essa ideia de ligação é bastante "entranhada" em nossa mente, principalmente pela recorrente apresentação em livros textos do ensino médio e Química Geral, mas parece ter alguns problemas, pelo menos no sentido de formação de ideias:

  • Não há, efetivamente essa formação de ligação de ligação pela transferência de elétrons, uma vez que muitos desses íons já estão formados na natureza (como cloreto e íon sódio).  
  • A ideia de Kossel traz então uma distorção favorecendo a ideia de um dímero cátion-ânion que não existe em solução aquosa (a não ser em casos muito especiais.

(imagem extraída de Margenau et al. "The Energy", 2nd ed. Times-Life Books, 1981)
 
A idéia de Lewis, envolvendo o compartilhamento de elétrons para formação da ligação química teve um futuro mais promissor, sendo melhor explicado por Pauling, a partir da Mecânica quântica e a partir de então a questão se tornou mais como explicar o aparente compartilhamento de elétrons proposto por Lewis do que a ruptura da ideia. A ligação covalente (mais ou menos polarizada) é vista, então, como uma interação forte INTRAmolecular (ou INTRAespécie química)

Novamente, tenta-se separar as interações "intermoleculares" (ou mellhor, interespécies químicas ou mesmo intergrupos químicos),
  1. interações de curto alcance ou de Van der Walls (de Mye, de Debye, etc. : ou seja, dipolo induzido ....),
  2. interações de longo alcance:
    1. ligações de hidrogênio (ligações "algo" covalente, mas com energias da ordem de grandeza da agitação térmica à temperatura ambiente)  - exige explicações baseada na Mecânica quântica.
    2. interações íon-dipolo  - devido apenas à interação do dipolo em relação ao campo elétrico do íon (ou vice-versa) (sem necessidade da Mecânica Quântica)
    3. interações íon-íon como caminho natural em relação ao íon-dipolo e mque pode ser razoavelmente explicadas apenas pelas Lei de Coulomb e outras da física clássica, (sem necessidade da Mecânica Quântica, de novo)
  3.  E na busca por outros tipos de interação entre espécies químicas, podem ser consideradas as ligações de coordenação de complexos metálicos. É difícil dizer que o modelo eletrostático de Bethe (Teoria do Campo cristalino) não seja baseada na Quântica em sua essência e que a aproximação da atração de elétrons com diferentes orbitais sendo explicada pela lei de Coulomb é, como já antecipado, uma aproximação, muito útil, mas uma aproximação.

Intuitivamente, pode-se dizer que a "ligação química" parece ser uma interação "forte" o suficiente, explicada prioritariamente pela mecânica quântica."
Nessa definição estão agregadas:
Ligação covalente
Ligação coordenada em complexos metálicos
Ligação de hidrogênio
Ligação metálica (??)

E, portanto, NÃO USAR o termo LIGAÇÃO IÔNICA seria mais correto atualmente, mas  SIM: INTERAÇÃO IÔNICA.

P.S.: Muitos acharão óbvio que a definição foi enunciada de maneira a manter as interações fracas como interações realmente e não como ligações. Isso é necessário para manter o lastro histórico, além do que, se  fossem incluídas, não haveria nenhuma vantagem, mas sim, muito confusão em relação à conceitos já bem estabelecido.
Referências
                   Oliveira, A.F. 2018 "Química de Soluções - Avaliação de Equilíbrios Químicos" Ed. UFV no prelo
  1. Oliveira, A.F. 2009 "Equilíbrio em Solução Aquosa - orientado às aplicações" Ed. Átomo, 2009
  2. Química E mineralogia do solo Parte II pág p. 50      
  3. Atkins:
  4. Israelivichi
  5. Oliveira, Lopes, et al. Sutil diferença
  6. Livros de ensino médio: Lembo(?);

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