Semântica e outras bobagens imprescindíveis à Química. Parte II – O número de mol e a quantidade de substância.


Semântica e outras bobagens imprescindíveis
Parte II – O número de mol e a quantidade de substância.
                A IUPAC é uma organização, como diversas outras (ISO, IUPAP, etc.) que tentam harmonizar e unificar as expressões para facilitar a comunicação científica.  E está em constante modificação, pois novos fenômenos são descobertos, novas teorias propostas e novos termos são criados. Além, é claro de diferenças entre os termos utilizados, que antes sinônimos,
                Isso porque, a IUPAC recomenda (e não impõe) o uso de alguns termos em detrimentos de outros.  Na grande maioria dos casos, é aceito por uma ampla maioria, mas em alguns casos, um ou outro termo não é aceito e nesse caso, torna-se obsoleto ou um termo equivalente é mantido “informalmente”.

A discussão propriamente dita:
A IUPAC (no Brasil) tem recomendado o termo “quantidade de matéria”, não me parece uma tradução adequada para o termo “amount of substance”, sob o ponto de vista do que conceitualmente compreendemos sobre a grandeza  cujo nome está em discussão (número de mols ou quantidade de substância – ou de matéria).
O termo “amount”, segundo o Cambrigde Dictionnary
 “a collection or mass, especially of something that cannot be counted”
 Isso porque, o termo “quantidade” em português brasileiro tem um significado mais amplo do que “amount”. Segundo o dicionário Houssais, 
quantidade: qualidade do que é suscetível de ser medido ou contado (negrito meu).  
               
Assim, expressa bem a ampla variedade de interpretações que “quantidade” tem na língua portuguesa, pois inclui massa, volume, área, comprimento, etc. Inclui também o “número de mols” (ou quantidade de substância).
Em português, é totalmente compreensível as perguntas: “Quantos mols de ___ existem naquele volume de solução?” ou "Qual o número de mols ...?"


                Em português, o termo mais próximo do inglês “amount” talvez seja “número” ou quem sabe “contagem”. Novamente segundo Houssais:
1. ato de contar
2. soma ou cômputo que se obtém

4. processo que consiste em determinar o número de elementos de um conjunto
…”

                Por essa razão, mantenho o termo número de mols e em alguns lugares é lembrado que é uma alternativa ao termo da IUPAC brasileira, quantidade de substância (ou de matéria)
(no sentido da IUPAC brasileira, deveríamos mudar o termo ‘Número de Avogadro’ para  ‘Quantidade de Avogadro’).
Sobre usar o termo “substância” ou “matéria” ao invés do nome da própria grandeza, acho um argumento adequado. O problema, como já frisado é o uso do termo “quantidade”

E felizmente, segunda a IUPAC, no Green Book, definição de mol IUPAC:  https://iupac.org/project/2013-048-1-100 a possibilidade do termo "número de mol" não é descartada.

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Semântica e outras bobagens imprescindíveis à Química Parte I


Semântica e outras bobagens imprescindíveis. Parte I 

Não é incomum ouvir graduandos (e até pós-graduandos) reclamando sobre aquela discussão entre professores se o termo correto é “número de mols” ou “quantidade de substância”, ou se outro professor ficou perguntando ao aluno se “íon” era “molécula” ou não? (“ora, é um ‘trem’ qualquer”). Outro ainda, se diz preocupado com a ‘semântica’ (seja lá o que isso for?).
Como não os compreender? “Para que toda essa bobagem”? “São filigranas ou mesmo a eterna procura ‘de pêlo em ovo’”?
                Quando começamos a entender a ciência, conhecemos menos fenômenos, conceitos, etc.  do que termos, de maneira que podemos ter vários sinônimos para cada fenômeno.  Lembre-se ensino médio (ou de antes) quando “peso” e “massa” eram sinônimos. Ao compreender o conceito de força e força da gravidade, não fez mais sentido usar peso e massa como sinônimos.  Ou quando notou que “grama” era um termo para a unidade de massa e para a plantinha que cobre o gramado. O artigo foi usado para distinguir ambos: “o grama” é uma unidade e ”a grama”,  o vegetal.
Seguindo o mesmo raciocínio, usualmente o problema sobre usar um ou outro termo começa a surgir para o pesquisador quando ele começa a querer explicar novos fenômenos, teorias, um comportamento obtido experimentalmente, apresentar uma ideia nova, etc., ou mesmo ao tentar entender o que outros estão explicando e observar que dois termos estão sendo usados para um mesmo fenômeno ou um termo para mais que um fenômeno. Ou seja, a preocupação com a semântica surge porque parece que começam a faltar palavras para descrever o mundo.
Para entender importância da semântica, pode se começar definindo melhor esse termo, e assim, seguem algumas definições segundo o Dicionário Houssais
ciência que estuda a evolução do significado das palavras e de outros símbolos que servem à comunicação humana’
‘num sistema linguístico, o componente do sentido das palavras e da interpretação das sentenças e dos enunciados’
Se os termos não têm significados muito exatos, torna difícil compreender o que um dado autor diz que “todas as moléculas …”. E o que é molécula? Essa definição inclui “íons”? Se incluir, então a frase do autor inclui também os íons, mas se a definição de molécula não incluir os íons, então a conclusão do autor pode não ser verdade para íons. Quanto mais confiamos na definição exata de um termo, sua “definição”, mas simples e compreensível o mundo.
Esses exemplos previamente apresentados mostram como gradualmente surge a necessidade de compreender o sentido exato das palavras. No caso do autor do exemplo sobre moléculas e íons, se ele usou uma definição errada de molécula, todo raciocínio dele é perdido, pois não tem o “alcance” desejado (no sentido de uma generalização ampla de um conceito). E para ele escrever, ele começa a observar a diferença entre dizer uma palavra ou outra.
E, se duas pessoas utilizam a mesma palavra com sentidos distintos, a comunicação entre eles começa a ser difícil. Veja, por exemplo, a palavra “mandioca”, que para muitos significa apenas um tubérculo rico em amido, mas para outros, significa um tubérculo venenoso, (principalmente em algumas regiões do nordeste do Brasil).  São dois sentidos opostos para a mesma palavra. O diálogo entre os dois poderá ter consequências trágicas se não identificarem a tempo a diferença no sentido dessa palavra para cada um.
E a química, principalmente por razões históricas, é rica em exemplos desse tipo. Mas eliminá-los, na área de química, é um desafio hercúleo e muito distante do seu fim. Isso por várias razões: propagação do conhecimento (e dos erros) e diferença de opiniões são duas razões muito fortes, ou por não haver um termo melhor, ou por estamos tão acostumados com o termo que é difícil parar de usá-lo. Às vezes, mesmo sendo um consenso que um termo é inadequado, ainda é usado por todos e dificilmente será modificado. Um exemplo é a “força iônica” de uma solução. A força iônica é um parâmetro de difícil explicação física, com dimensão de concentração e fortemente vinculado aos coeficientes de atividade. Mas não há nada nesse parâmetro relacionado com força, no sentido da Física, mas mesmo assim, ele se mantém.
Mas pensar neles, ajuda a, gradualmente, diminuir esses termos.
Lembrando que a Química (considerando a ciência que estuda as relações entre elementos químicos, suas transformações e aplicações) teve um desenvolvimento histórico muito caótico, se comparado com a Física, por exemplo. Antes do séc XVIII, haviam várias áreas (indústrias bélicas, vinícolas, metalúrgicas, etc.) que utilizaram processos químicos e que, gradualmente, acumularam conhecimentos importantes, mas sem um formalismo que permitissem serem chamados de científicos. E cada área utilizou um conjunto de definições e nomes para explicar seus processos, compostos, etc.
O desenvolvimento de grandes teorias que permitissem explicar o comportamento mais generalizado ocorreu ao longo dos séculos XVIII e XIX, e mesmo assim diferentes áreas da química utilizaram termos diferentes para tratar do mesmo assunto (na mesma época) e mesmo diferentes sentidos para o mesmo termo. Principalmente no século XX foi possível começar a racionalizar melhor esses termos.
A medida que as teorias foram propostas, também foram propostos nomes para descrever os conceitos, etc. E os próprios conceitos foram sendo gradualmente alterados à medida que os dados experimentais permitiam a refutação de algumas teorias e proposta de outras. Além disso, a comunicação antes do séc XX era bastante ineficiente, se comparado com a rede de informações atuais. Uma refutação de uma teoria ou uma interpretação diferente podia ficar restrita a uma região do globo e demorar até décadas para ser globalmente conhecidas, quem dirá aceitas.
A discussão aqui realizada permite compreender o papel de órgão nacionais e internacionais, tais como a IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) , INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), ISO (International organization of Standardization); IUPAP(International Union of Pure and Applied Physics). E também porque suas decisões (orientações, recomendações, etc.) são sempre atualizadas.