Semântica e outras bobagens imprescindíveis. Parte I
Não é incomum
ouvir graduandos (e até pós-graduandos) reclamando sobre aquela discussão entre
professores se o termo correto é “número de mols” ou “quantidade de
substância”, ou se outro professor ficou perguntando ao aluno se “íon” era
“molécula” ou não? (“ora, é um ‘trem’ qualquer”). Outro ainda, se diz
preocupado com a ‘semântica’ (seja lá o que isso for?).
Como não os
compreender? “Para que toda essa bobagem”? “São filigranas ou mesmo a eterna
procura ‘de pêlo em ovo’”?
Quando
começamos a entender a ciência, conhecemos menos fenômenos, conceitos, etc.
do que termos, de maneira que podemos ter vários sinônimos para cada
fenômeno. Lembre-se ensino médio (ou de
antes) quando “peso” e “massa” eram sinônimos. Ao compreender o conceito de
força e força da gravidade, não fez mais sentido usar peso e massa como
sinônimos. Ou quando notou que “grama”
era um termo para a unidade de massa e para a plantinha que cobre o gramado. O
artigo foi usado para distinguir ambos: “o grama” é uma unidade e ”a
grama”, o vegetal.
Seguindo o
mesmo raciocínio, usualmente o problema sobre usar um ou outro termo começa a
surgir para o pesquisador quando ele começa a querer explicar novos fenômenos,
teorias, um comportamento obtido experimentalmente, apresentar uma ideia nova,
etc., ou mesmo ao tentar entender o que outros estão explicando e observar que
dois termos estão sendo usados para um mesmo fenômeno ou um termo para mais que
um fenômeno. Ou seja, a preocupação com a semântica surge porque parece que
começam a faltar palavras para descrever o mundo.
Para entender
importância da semântica, pode se começar definindo melhor esse termo, e assim,
seguem algumas definições segundo o Dicionário Houssais
‘ciência que estuda a evolução do significado das palavras e de outros símbolos que servem à comunicação humana’
‘num sistema linguístico, o componente do sentido das palavras e da interpretação das sentenças e dos enunciados’
Se os termos
não têm significados muito exatos, torna difícil compreender o que um dado
autor diz que “todas as moléculas …”. E o que é molécula? Essa definição inclui
“íons”? Se incluir, então a frase do autor inclui também os íons, mas se a
definição de molécula não incluir os íons, então a conclusão do autor pode não
ser verdade para íons. Quanto mais confiamos na definição exata de um termo,
sua “definição”, mas simples e compreensível o mundo.
Esses exemplos
previamente apresentados mostram como gradualmente surge a necessidade de
compreender o sentido exato das palavras. No caso do autor do exemplo sobre
moléculas e íons, se ele usou uma definição errada de molécula, todo raciocínio
dele é perdido, pois não tem o “alcance” desejado (no sentido de uma
generalização ampla de um conceito). E para ele escrever, ele começa a observar
a diferença entre dizer uma palavra ou outra.
E, se duas
pessoas utilizam a mesma palavra com sentidos distintos, a comunicação entre
eles começa a ser difícil. Veja, por exemplo, a palavra “mandioca”, que para
muitos significa apenas um tubérculo rico em amido, mas para outros, significa
um tubérculo venenoso, (principalmente em algumas regiões do nordeste do
Brasil). São dois sentidos opostos para
a mesma palavra. O diálogo entre os dois poderá ter consequências trágicas se
não identificarem a tempo a diferença no sentido dessa palavra para cada um.
E a química, principalmente
por razões históricas, é rica em exemplos desse tipo. Mas eliminá-los, na área
de química, é um desafio hercúleo e muito distante do seu fim. Isso por várias
razões: propagação do conhecimento (e dos erros) e diferença de opiniões são
duas razões muito fortes, ou por não haver um termo melhor, ou por estamos tão
acostumados com o termo que é difícil parar de usá-lo. Às vezes, mesmo sendo um
consenso que um termo é inadequado, ainda é usado por todos e dificilmente será
modificado. Um exemplo é a “força iônica” de uma solução. A força iônica é um
parâmetro de difícil explicação física, com dimensão de concentração e
fortemente vinculado aos coeficientes de atividade. Mas não há nada nesse
parâmetro relacionado com força, no sentido da Física, mas mesmo assim, ele se
mantém.
Mas pensar
neles, ajuda a, gradualmente, diminuir esses termos.
Lembrando que
a Química (considerando a ciência que estuda as relações entre elementos
químicos, suas transformações e aplicações) teve um desenvolvimento histórico
muito caótico, se comparado com a Física, por exemplo. Antes do séc XVIII,
haviam várias áreas (indústrias bélicas, vinícolas, metalúrgicas, etc.) que
utilizaram processos químicos e que, gradualmente, acumularam conhecimentos
importantes, mas sem um formalismo que permitissem serem chamados de
científicos. E cada área utilizou um conjunto de definições e nomes para explicar
seus processos, compostos, etc.
O
desenvolvimento de grandes teorias que permitissem explicar o comportamento
mais generalizado ocorreu ao longo dos séculos XVIII e XIX, e mesmo assim
diferentes áreas da química utilizaram termos diferentes para tratar do mesmo
assunto (na mesma época) e mesmo diferentes sentidos para o mesmo termo. Principalmente
no século XX foi possível começar a racionalizar melhor esses termos.
A medida que
as teorias foram propostas, também foram propostos nomes para descrever os
conceitos, etc. E os próprios conceitos foram sendo gradualmente alterados à
medida que os dados experimentais permitiam a refutação de algumas teorias e
proposta de outras. Além disso, a comunicação antes do séc XX era bastante
ineficiente, se comparado com a rede de informações atuais. Uma refutação de
uma teoria ou uma interpretação diferente podia ficar restrita a uma região do
globo e demorar até décadas para ser globalmente conhecidas, quem dirá aceitas.
A discussão
aqui realizada permite compreender o papel de órgão nacionais e internacionais,
tais como a IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) , INMETRO
(Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), ISO (International
organization of Standardization); IUPAP(International Union of Pure and Applied
Physics). E também porque suas decisões (orientações, recomendações, etc.) são
sempre atualizadas.